sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

As Cartas de Jogar - 1ª Parte

Resgatando o Passado Serrano

Por José Carlos S. da Fonseca

As Cartas de Jogar

(1ª parte)

Não é somente nas épocas de férias que muitos possuem o costume de jogar cartas de baralho com seus diversos tipos de jogos. Há centenas de anos muitos povos praticam este hábito, seja por diversão ou como uma forma de ganhar dinheiro rápido, mas se um ganha, outros perdem, e às vezes arruínam a própria vida e toda a sua família, principalmente quando encontram pela frente, num jogo clandestino, um “profissional” hábil e inescrupuloso. O jogo de Pôquer está na moda, principalmente na internet e nos cassinos de outros países onde os jogos de azar são permitidos e além do “pocker” jogam-se outros tipos de jogos. Entre os serranos há muito tempo existe o hábito de jogar a Canastra nas suas diversas variações, além do “Pontinho” e do “Pife”, lembrando que é contravenção jogar estes tipos de jogos a dinheiro. Encontrei uma crônica muito interessante num Almanaque do Correio do Povo de 1955, escrita por Luís Jardim, a qual será transcrita na íntegra:

“Juro que o jogador que porventura leia estas linhas, se um dia tiver um “four” de reis de mão, e o jogador imediato, com o simples intuito de defender o seu dinheiro, pedir quatro cartas e colar um “four” de ás – juro que este jogador terá este desabafo, danado da vida com toda a razão: “-O diabo me leve se não foi o diabo que inventou cartas de jogar!”

Pois foi, segundo muita gente boa. E só pode ter sido ele, porque ao certo ninguém sabe quem foi. Qualquer tratadista do assunto dirá assim, vagamente, que é tudo quanto se conhece das cartas de jogar: ou veio do diabo ou da Ásia, aí pelo ano remoto de 1483, assegurou que o próprio belzebu fabricou as malignas cartas.

Quem já cuidou de conhecer a história das cartas de jogar não sabe ao certo de onde elas procedem. Admite-se que tivessem chegado da Europa, via Itália, já nos fins do século XIV. Foram em seguida à Espanha, embarcando de lá para a França, onde começaram a fazer as proezas costumeiras.

Insiste-se apenas que vieram dos árabes, e até em livros sagrados, como o Alcorão, há motivos para que se creia nesta hipótese. A palavra naipe etimologicamente não pertence a nenhuma língua europeia. Mas há dúvidas sobre se naipe vem de nabi, nabá, palavras do hebreu e do árabe, ou, se é corruptela ou transformação de Nápoles, onde primeiro aportou a famosa carga de satã.

O baralho, quando apareceu logo, não era simplificado como o de hoje. O número de cartas variava entre sessenta e duas e noventa e sete. O célebre baralho veneziano se compunha de setenta e oito cartas (tarot), e as principais eram Rei, Rainha, Cavaleiro, Valete (16 cartas, quatro naipes), seguindo-se dez cartas numeradas e mais vinte e um trunfos, fora o curinga, também chamado louco, best, calangrita ou mele. Cada figura representava grande personagem histórica, quando não lendária ou mitológica.

Carlos Magno figurou durante séculos nas cartas de jogar, sobretudo no lugar do rei de copas, e este naipe era mais importante do que o de ouros. Minerva, Cibele, Pomona, Judith, Judas, o Papa, o Diabo, a Roda da Fortuna, o Sol, a Lua, o Juízo Final, as quatro virtudes – tudo isso e mais muita coisa ilustraram carta de jogar.

Os naipes, segundo certas interpretações italianas e espanholas um tanto fantasistas, deveriam representar as castas ou classes da ordem social de então: copas ou cálices eram os eclesiásticos; espadas eram os nobres e militares; ouros ou moedas os negociantes e industriais e paus (curioso) eram nós trabalhadores. 

As cartas não eram reversíveis como hoje, isto é, uma figura para cima e outra para baixo, e é quase certo que foi o francês quem adotou esta prática, imprimindo ainda o símbolo de cada naipe em cada carta e fixando o número de 52 para o total de um baralho, à parte do “jockey” que não figura em todo jogo. Por zelo e ímpeto revolucionário logo depois da Revolução Francesa se aboliu na França figuras do Rei, e a Dama tomou o lugar da Rainha. Houve figura da antiga Rainha com um barrete frigio (da Frigia, encarnado) e palavras da nova ordem: “Divórcio – Liberdade de casamento – Pudor”. O Valete, que já havia ostentado grandes nomes, representando figuras heroicas, passou a um simples “valet de chambre”. Foi com Napoleão I que a realeza do baralho reassumiu o posto perdido.

Não se sabe quando as cartas de jogar teriam entrado no Brasil, pois só a partir do século XVIII (1769 a 1870) começa a Impressão Régia de Portugal a imprimir cartas. Ora, ninguém vai admitir que o sr. Diabo não achasse jeito de enviá-las para cá, sobretudo porque a Espanha ali pertinho de Portugal já as fabricava desde os fins do século XIV (quatorze). E pelos clandestinos – não os havia em Lisboa e Porto? O diabo quer exatamente quando Deus não quer.

A contribuição brasileira é quase nula na história das cartas de jogar, mesmo com relação a jogos novos. Quase todos os jogos que conhecemos nos vieram de Portugal. No Norte do Brasil usam-se expressões antigas, como Sota (que é a Dama), antiga designação espanhola para a Rainha. A figura em geral, isto é, Rei, Rainha ou Valete, muita gente do interior chama simplesmente Bode, e mantém, às vezes, o nome de Conde para designar o Valete, assim também apelidado em muita região lusitana.

Aperuar ou simplesmente peruar são verbos que no Brasil designam a ação de quem observa o jogo do outro. Ao peru – pessoa que observa, atribui-se de ordinários poderes maléficos ou azarentos que se transmitem ao jogador, trazendo-lhe o caiporismo na cartada.

Em determinada cidade do Brasil, certo jogador, rubro de raiva pela ação do peru, comentou irado com os parceiros de “pocker”: “-Sabe-se que o aperuar é dar azar aos outros no jogo. Qual o verbo que corresponde ao estado do aperuador? Ou como se chama a pessoa que está sob a ação do peru?” Em seguida o próprio peru retirou-se, dizendo alto: “-Você está ingervize!” E ficou esta palavra incorporada aos atributos do jogo na referida cidade.

Conhecemos uma só contribuição brasileira, poética, mística, às lendas das cartas de jogar, e nunca soubemos tivesse sido antes narrada verbalmente ou por escrito por outra pessoa que não o seu autor anônimo. E o curioso é que essa contribuição repousava em verdade histórica quanto às cores dos naipes, que já foram pretos, depois um deles verde (paus), carmim (ouros). Dizia o autor anônimo, em linguagem singular:

“-Então aí um jogador, perdendo muito, disse assim, danado da vida: “-Dou meu sangue ao diabo para não perder mais. Tudo quanto era naipe era preto, que carta antiga era assim.” E mal disse aquilo o jogador caipora, o maldito do diabo respondeu: “-Bota uma gota do teu sangue em cima do ás de ouros.” O jogador furou o dedo e botou o sangue. No mesmo momento tudo quanto foi carta de ouro ficou vermelha. Mas Deus com pena dele, disse assim pela boca de um anjo: “-Espeta o dedo da mão esquerda e põe sangue em cima do ás de copas.” O jogador obedeceu o mando do anjo e botou o sangue no ás de copas. Logo em seguida tudo quanto foi carta de copa ficou vermelha, e o anjo gritou: “-Que o ouro nunca seja maior do que o coração”. A partir desse dia foi que o baralho começou a ter cartas vermelhas que antes eram pretas como a boca do inferno.”

Quem desejar conhecer melhor a história das cartas de jogar procure ler o excelente trabalho de Henrique da Silva: “Tratado do Jogo do Boston com a História das Cartas de Jogar” – de que muito me servi para arranjar esta crônica, ou então o de W. Gurney Benham: “Playing cards-History of the explanations of its many series”.

Esta foi a crônica de Luís Jardim. Semana que vem mais sobre os jogos de baralho. Um ótimo feriado a todos!
Carta  de baralho do séc. 16 - Blibilotéca Nacional de Paris



Valete do baralho de R. Passerel- Sec. 16- Blibliotéca Nacional de Paris

Jornal Integração nº 97, edição de 17 de fevereiro de 2012
 
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Centenário de Elvira Paim - 4ª Parte (Final)

Resgatando o Passado Serrano

Por José Carlos S. da Fonseca

Centenário de Elvira Paim
(4ª parte- Final)
No livro: “Elvira – Esboço da vida virtuosa duma jovem gaúcha” conecta o nosso município de São Francisco de Paula e sua sede com a história desta moça que nas primeiras décadas do século XX era lembrada por ser muito diferenciada das demais pessoas:
“Elvira passava os meses de férias em piedosas ocupações e esforçava-se, cada vez mais, para por em pratica os bons conselhos e exemplos que aprendera em “seu Colégio”, como dizia alegremente. Muitas vezes contava a família reunida as pequenas dificuldades que tivera de vencer, durante os primeiros meses de internato. Espírito apostólico, procurava transmitir às irmãzinhas os conhecimentos adquiridos em matéria de religião, e assim improvisava-se catequista.
Nas férias de 1927, para satisfazer seus grande desejo de causar alegria aos outros, planejou e tornou realidade, com êxito, uma festinha para comemorar o Natal de Nosso Senhor. Nas férias de 1928 e 1929, acompanhou os pais à vila de São Francisco de Paula; aí deixou perfume do bom exemplo e piedade profunda. Assistia a Santa Missa muitas vezes durante a semana e conseguiu com carinho e rogos que o pai a acompanhasse aos domingos à igreja. Pertencia ao coral e cantava com todo o entusiasmo os louvores a Deus. A atitude respeitosa que mantinha no coro dizia bem do espírito de fé de que era animada. Muito alegre, gostava de divertir-se e alegrar os outros, mas não era fora do lar que ia buscar motivos de distração. A orientação que recebia dos pais, contribuía eficazmente para que não se apegasse às coisas do mundo. Uma só vez o pai a levou no cinema, depois de se ter certificado que o filme era conveniente.
Em 1930, Elvira deveria deixar o colégio definitivamente. Outros, porém, eram os desígnios da Divina Providência. Com a equiparação do Colégio à Escola Complementar Oficial teria oportunidade de frequentá-la ainda por três anos. Preparou-se cuidadosamente para o exame de admissão. No exame obteve boa classificação. Em 1931 e 1932 teve de submeter-se a tratamento médico e durante todas as férias obrigaram-na a permanecer em repouso. Ainda assim, impossibilitada de ação, suas mãos não deixavam ficar na ociosidade: pintava e modelava pequenos cromos para causar alegria às boas irmãs. Com paciência inesgotável, colecionava insetos para o Museu do Colégio, classificando-os cuidadosamente.
Tendo obtido permissão do médico para continuar os estudos, contente e agradecida ao Nosso Senhor partiu para o Colégio, mas, em meados do mês de junho viu-se forçada a interrompê-los. Sua fisionomia serena não deixou revelar a intensidade do sacrifício que Nosso Senhor exigia. Voltou ainda este ano ao Colégio para assistir à colação de grau da primeira turma de alunas-mestras. A dor que Elvira experimentou foi grande, a violência da comoção provocou-lhe lágrimas. Mas nenhuma queixa desprendeu-se de seus lábios. Aprendera de Nosso Senhor o segredo do sacrifício heróico e silencioso. As palavras do Divino Salvador: “Venho para fazer a Vontade de meu Pai.” haviam encontrado eco naquele coração puro e generoso.
Ainda no Colégio, sentiu Elvira, surgirem as primeiras tendências místicas que orientariam, mais tarde, sua ascensão para o Alto. Em sorrisos ocultava o cansaço e a fadiga que a assaltavam constantemente. Como era natural ao seu temperamento ardente, entregava-se com paixão a tudo que empreendia.  Em 1934 e 1935, com verdadeiro encantamento, preparou uma turma de crianças para a primeira Santa Comunhão. Elvira se adiantava cada vez mais no caminho da perfeição. Julgando as coisas e as suas criaturas à luz de Deus, a renuncia de seus desejos e de sua vontade se impõe ao seu coração sedento de felicidade. A maior graça que Deus pode conceder a uma criatura não é dar-lhe muito, mas pedir-lhe muito. Embora não pudesse freqüentar a igreja como desejava, continuava sempre a trabalhar em prol das almas.
Elvira não excluía os pobrezinhos de seu afeto. Dizia ela: “-Não olhemos para os pobrezinhos com desprezo ou indiferença e sim com afeto e compaixão. É o próprio Jesus que vemos na pessoa do mendigo e isto nos basta para enobrecer os sentimentos ao recebermos um pobre. Oh! Um coração generoso e grande não deixa este amigo de Jesus partir desconsolado! Porque não é só de pão de que ele necessita, mas da nossa afeição e benevolência. Que exemplos belíssimos deu Jesus escolhendo para seus discípulos e amigos os pobrezinhos e humildes! Ainda mais, Ele, o Rei supremo do Universo, padeceu frio e não teve onde reclinar suas delicada cabecinha a não ser duras palhas, para consolar os pobres e aflitos. E sua mãe querida, quanto não sofreu por não ter para dar a seu estremecido Jesus, senão amor e carinho! Quanto o pobre sofre! Não tem um teto para se abrigar! Poderemos passar sem olhar? Não! Nossa alma exclama: - Como podes alegrar-te, se teus irmãos sofrem? Se nada tivermos para dar, temos a Deus, nosso maior tesouro. Mostremos a esses infelizes que existe alguém que os ama: Jesus.” Era a grande preocupação de Elvira, minorar os sofrimentos dos pobres.
Coincidência singular! A três de outubro, dia em que a Santa Igreja comemora a entrada da Santa Terezinha na Pátria celeste, Elvira assistiu pela última vez a Santa Missa. Ao voltar da igreja, sentou-se, alegremente, ao piano, e fez-se ouvir pela última vez. No dia 8, ardendo em febre, recostou-se à cama de sua boa mãe e contou-lhe, detalhadamente, a vida de Santa Rita. Ao referir-se aos padecimentos daquela serva de Deus, comoveu-se até as lágrimas. Elvira compreendera o que significava a dor na vida do cristão. Desde esse dia não mais abandonou o leito. Agravara a doença que depauperava seu organismo. E não cansava de pedir: “-Rezem bastante pro mim”. A serenidade com que suportou, durante 32 dias, sofrimentos intensos, eram indícios seguro de que seu olhar já mergulhava nos abismos insondáveis da eternidade.
A uma prima que a acompanhara em seus sofrimentos durante diversas noites, disse: “-Eu estou aqui, mas já não sou daqui. Vamos rezar prima”. Às 9 horas e 10 minutos de 5 de novembro de 1937, na casa da sua família na cidade de Canoas, surge, enfim, a aurora do dia eterno para Elvira: aquela que soube ser grande, porque abriu a alma à harmonia e ao encanto da palavra divina. E agora, que canta a canção de sua eternidade, a leitura simples de sua vida simples, faça nascer em nós um entusiasmo novo e santo pelas almas. O seu exemplo de moça frágil, porém generosa e firme, diz, no silêncio de nossa alma: 

Cristão, irmão e irmã querida! Lembra-se da imortalidade de tua alma criada para as harmonias eternas. Às contas serás chamado, também tu, um dia, por Deus. Guarda o tesouro que Nosso Senhor te deu: a fé. Ela orientar-te-á e guiar-te-á para os teus destinos na Eternidade”. (A autora). 


Na foto vemos Elvira Baptista Paim aos doze anos na sua Primeira Comunhão em 1924, acervo da família.

Jornal Integração nº 96, edição de 10 de fevereiro de 2012

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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Centenário de Elvira Paim - 3ª Parte

Resgatando o Passado Serrano

Por José Carlos S. da Fonseca

Centenário de Elvira Paim
(3ª parte)

Continuo trazendo a você o resumo do livro: “Elvira – Esboço da vida virtuosa duma jovem gaúcha”, escrito por volta de 1940. Elvira Baptista Paim era conhecida pela clarividência das coisas divinas. A matéria Religião era a sua preferida, pois estava convencida que Deus abençoaria quem se ocupasse do que é divino. Era presidente do Apostolado da Oração e sempre que podia, à noite, visitava Jesus Sacramentado no Colégio Santa Catarina de Novo Hamburgo onde era interna. Com muita dedicação rezava na quaresma da via-sacra e era ela quem frequentemente era escolhida para recitar em voz alta. Numa carta de Elvira, enviada aos seus pais, datada de 27 de julho de 1930, esta descreve: “- Terminou hoje o nosso esperado e mui desejado retiro espiritual. Diariamente tenho-me lembrado de vós, caríssimos pais, e dos sacrifícios que fizestes pondo-me neste querido Colégio. Supliquei com instâncias ao Divino Jesus que abençoasse toda a nossa família, dando-nos fortuna necessária na vida, mas principalmente a mais rica glória no céu. Oh! Que lá não falte nenhum de nós! Parece-me que no caso contrário o céu não seria seu para mim”.

Elvira tomava a vida espiritual a sério, com o único objetivo de purificar sua alma e: “-Dar alegria a Jesus”, como dizia comumente. A piedosa donzela era também devota filha de Nossa Senhora e em sua honra rezava o terço diariamente, não o abandonando nem na última doença estando com mais de 40 graus de febre. A São Luiz, padroeiro da juventude, dedicava uma veneração toda particular: “- Ah! Glorioso São Luiz”, escreve na carta que trata da sua vida espiritual, “não posso cantar em sua honra sem derramar lágrimas de consolo e gratidão! Quantas graças recebi em seu mês!... Todos os empreendimentos nobres datam do mês de Junho. A primeira e maior graça foi a de ficar filha de Maria no dia 21-6-27. Em 26 do mesmo mês comecei a rezar o terço diariamente: em Junho de 1936 recomecei o exame particular e em 1937 recebi uma graça pela qual sou imensamente grata: a de compreender a caridade e pô-la em prática”.  Elvira também era devota de Santa Terezinha, mas na carta continua a enaltecer sua devoção a São Luiz: “- Desde que conheci a Jesus, só Ele existia em mim, o único entre os santos que me atraiu, porque amavas e não querias desgostar. Àquele a quem eu dedicara todo o meu coração. Infundiste em minha alma o receio de ofender a Jesus de leve e de procurar fugir da menor falta voluntária para O contentar”.

Numa carta, escrita dois anos antes de sua morte, ocorrida em 5 de novembro de 1937, e enviada a uma de suas amiguinhas, demonstra seu afeto e reconhecimento como aluna e colega exemplar: “-Talvez nunca mais goze tempo de vida descuidada e feliz! Agora só me restam as recordações tão doces, tão saudosas... e quanto mais pálidas, mais apagadas e cada vez mais longínquas, mais dolorosas são. Sempre afaguei silenciosamente a doce esperança de retornar ao caro Colégio, mas, se não aumentar de peso, não poderei tão cedo pensar em estudos. E assim procuro em espírito reviver aquele passado venturoso em que me entregava de corpo e alma às educadoras, abandonando-me à sua sábia direção. Nada previa então deste mundo cheio de mentiras e ilusões. Nada dos trabalhos e tribulações que também a mim esperariam mais tarde! Oh! Quantas vezes desejo encontrar aquelas que durante tantos anos me souberam guiar, para vazar em seus corações sinceros e generosos, algo do que me acabrunha e colher de seus lábios uma palavra de consolo e ânimo! Mas, as mais das vezes, nem isto me é dado. Minha força na hora de desalento é lembrar os conselhos que aí recebi e – segui-los firmemente. E tu amiguinha que tens a dita de receberes diariamente a Jesus, ora por mim”.    




Numa das fotos as cincos irmãs: Maximilia, Noemia, Hortência, Cândida e Elvira, e na outra foto Elvira, a direita, com sua irmã Cândida, futura esposa de Almiro da Rosa Teixeira. Acervo da família.  
Jornal Integração nº 95, edição de 3 de fevereiro de 2012


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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Centenário de Elvira Paim - 2ª Parte

Resgatando o Passado Serrano

Por José Carlos S. da Fonseca

Centenário de Elvira Paim
(2ª parte)

Em 1930, então com 18 anos, Elvira começou a sentir uma fraqueza corporal e o rostinho angelical começou a ficar pálido. Suas educadoras, percebendo esta repentina mudança, começaram a ter mais cuidados, não exigindo tanto esforço escolar da parte de Elvira, mas esta não titubeou e continuou com afinco seus estudos para o exame de admissão ao Curso Complementar. Não era somente o diploma de aluna-mestra que ela almejava, mas queria permanecer por muitos anos no Colégio Santa Catarina que tanto amava. Conseguiu cursar os dois primeiros anos complementares com muita dedicação. Transcrevo uma frase retirada do livro “Elvira – Esboço da vida virtuosa duma jovem gaúcha”, o qual estou resumindo nesta coluna para você: “A força de vontade desta aluna de compleição extremamente delicada causava admiração a todos que tiveram ocasião de observá-la. No terceiro ano, porém, tanto progrediu o estado de fraqueza que as professoras se opuseram a que acompanhasse todas as matérias. Nossa Elvira não se abala. – Tanto melhor, exclama radiante, assim terei a dita de voltar mais um ano ao Colégio”.

Os médicos naquela época não tinham tantas opções e conhecimentos como hoje em dia possuem, mas fizeram o possível para tentar descobrir o que afligia Elvira, não conseguindo decifrar, pelos sintomas que a jovem demonstrava, qual doença possuía. Com tudo isso, Elvira foi exposta a vários tratamentos dolorosos e prolongados, sendo submetida a várias injeções que lhe causavam muita dor; porém, nunca se queixou. A enfermeira do colégio, uma Irmã, tinha muita pena quando aplicava as injeções em Elvira, mas esta sempre estendia o seu bracinho frágil e sorria angelicalmente para a Irmã que lhe atendia no internato. Numa carta, que seria a sua última, enviada a uma Irmã, Elvira diz o seguinte: “Quando operei a garganta, quanto mais agudas se tornaram as dores, mais força sentia para sofrer ... E Jesus está bem pertinho dos que sofrem e não os abandona nunca quando sabem sofrer. Sem compreender o que sei hoje, estava convencida que foi a Santa Comunhão que me deu coragem”. Esta doença na garganta foi mais um grande provação que Elvira sofreu, pois amava cantar e teve que desistir de tão linda vocação. Todos adoravam ouvir esta beldade cantar, afinadíssima, um timbre doce e agradável, e por muitos anos não apareceu uma cantora como ela no Colégio Santa Catarina. Entoava sublimemente os hinos a Jesus Sacramentado e Maria Santíssima: “-Gosto muito de música, disse um dia à professora de canto, porque me eleva. Não canto por vaidade, mas procuro cantar o melhor possível para Nosso Senhor e a edificação dos fiéis”. Ainda comentou: “Nunca pensei que este sacrifício havia de custar tanto! Nosso Senhor tira-me tudo que é bom”, declarou com o coração sofrido, mas amorosamente sujeito à santíssima Vontade de Deus, sua norma suprema.

A autora deste livro, no qual não é mencionado seu nome (quem souber o nome desta autora me informe, por favor!), pergunta: “Que se passaria entre esta alma pura e seu Jesus naqueles momentos?” Elvira responde na carta já referida: “- Que de gozo não sente agora minha alma, crente e sincera ao pensar na doce intimidade que se travou entre minha alminha e Jesus, o divino amigo dos pequeninos! Tinha grande vontade de ser virtuosa, assim como São Luiz Gonzaga que não queria desgostar a Nosso Senhor. Mas eu nada compreendia de virtude. Procurava apenas fazer tudo o que Jesus mandava no livrinho: “Nós dois – Eu e meu Jesus”; pois estava plenamente convencida que Ele mesmo que falava comigo quando vinham as letras vermelhas. Quando descobri que este devocionário e a “Imitação”, meus prediletos, foram escritos por autores que se serviram das palavras de Jesus, já se foi bem tarde. Querida Irmã, como sua filhinha era ignorante e bem convencida de que seu grande Amigo estava bem contente comigo ... Era bem assim que O imaginava: grande e bondoso ... e eu sua amiguinha sincera e confiante”.

Na foto podemos ver Elvira saudando o Dr. Getúlio Vargas em nome do Colégio Santa Catarina na Exposição Industrial de Novo Hamburgo em 1929. Acervo da família.

Jornal Integração nº 94, edição de 27 de janeiro de 2012


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